PAIGC
Partido Africano da Independência da Guiné
e Cabo Verde
GABINETE DO PRESIDENTE
COMUNICADO
Completam hoje vinte dias desde que o
Senhor Presidente da República, contra o desejo e os apelos de todos os
quadrantes da sociedade Guineense e da comunidade internacional, demitiu o
Primeiro-ministro eleito pelo povo nas últimas eleições legislativas.
Tal como o PAIGC sublinhou na altura, este
acto do Senhor Presidente da República foi politicamente descabido e perigoso e
lançou o país numa verdadeira crise política e institucional com consequências
imprevisíveis para toda a Nação Guineense. Ele representa o culminar de uma
atitude de permanente aversão ao diálogo que tem caracterizado a actuação do
Presidente da República e que o levou hoje a estar de costas voltadas com
praticamente todas as instituições da República, incluindo o governo, a
Assembleia Nacional Popular, o poder judicial, as organizações da sociedade
civil e os poderes tradicionais.
O PAIGC, plenamente consciente das suas
responsabilidades, alertou na altura para o risco de se conduzir o país à
instabilidade e ao caos, seguro da inexistência de alternativa séria e credível
à governação inclusiva que vinha exercendo com zelo e sentido patriótico.
Hoje, vinte e um dias depois da queda do
governo, constata-se com preocupação que o Presidente da República não tem um
rumo para o país. À falta de governo, o país está parado e, subvertendo os
dispositivos constitucionais em matéria de competências dos órgãos de
soberania, o Presidente da República decidiu exercer o papel do executivo,
nomeadamente chamando representantes da comunidade internacional para discutir
a forma de utilização dos fundos da mesa redonda, ou comprando botijas de
oxigénio para o hospital Simão Mendes, como se viu nos últimos dias.
Todavia, as implicações desastrosas da
exoneração do governo pelo Presidente da República não ficam por aqui. Para
além dos evidentes riscos de instabilidade política e institucional e do
aprofundamento das fragilidades do Estado, é importante trazer ao conhecimento
da opinião pública alguns outros factos que nos parecem relevantes:
1. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Desde a tomada de posse do
Primeiro-ministro, nomeado por decreto 6/2015, este tem ignorado de forma
grosseira o princípio da continuidade do Estado, chamando a si todas as
competências do Governo (em gestão até empossamento do próximo). Assim, para
além da já conhecida medida de suspensão da Directora-Geral da Televisão e do
Director-Geral da Radio Nacional, o Primeiro-ministro nomeado também tem sido o
exclusivo ordenador de todas as despesas públicas. Se por um lado esta medida
representa uma violação flagrante dos dispositivos legais e extravasam o âmbito
das competências do Primeiro-ministro, configurando portanto um crime que deve
merecer oportuna prossecução pelas instâncias judiciais, por outro lado, ela já
está a ter repercussões negativas na gestão das finanças públicas, nomeadamente
pela não reconciliação das contas públicas no final do mês de Agosto, no âmbito
da elaboração da Posição Líquida do Tesouro, ou pelo não pagamento do serviço
da dívida com o Banco Mundial devido ao cancelamento de operações de
transferência para o exterior.
2. QUEDA DAS RECEITAS FISCAIS
A Guiné-Bissau nunca antes registara níveis
de receitas fiscais equivalentes aos que se registaram em 2014 e agora em 2015.
As receitas fiscais em 2014 aumentaram 60% em relação ao previsto e em finais
de Julho de 2015, as receitas fiscais já tinham atingido o nível global de
2014. Esta dinâmica foi interrompida com a exoneração do Governo. No mês de
Agosto passado, as receitas fiscais caíram a pique. Estima-se em cerca de 4
bilhões de CFAs as perdas de receitas desde a paragem do país. Alguém se
responsabilizará? As escolas abrirão a tempo? Continuaremos a ter uma reserva
financeira para a prevenção de endemias, nomeadamente da cólera e do ébola?
3. SITUAÇÃO ECONÓMICA
Contrariamente aos argumentos do Presidente
da República, a evolução da situação económica do país é bastante encorajadora.
Em matéria de crescimento económico, todos se recordarão que o PAIGC apresentou
no seu programa de governação uma meta de 7% de taxa de crescimento a atingir
no final da legislatura. Um objectivo que mais parecia uma miragem perante o
ponto de partida de 0,3% em 2013. Se a taxa de 2,7% registada em 2014 já era
animadora, a projeção de 4,7% para 2015 foi considerada muito ousada. Ora,
dados mais recentes apontam que o crescimento económico em 2015 ultrapassará
5%, podendo mesmo atingir 7% ainda este ano. Se estes dados, que estão neste
momento a ser analisados pelo FMI, se confirmarem, a questão que se coloca é
óbvia: em que ficamos face às acusações do Presidente da República de mau
desempenho económico e financeiro do governo? Quem será responsável pelo recuo
desses indicadores? E, finalmente, se o crescimento económico é o único caminho
que pode levar ao desenvolvimento, quem está contra o desenvolvimento do país?
4. RISCO DE SUSPENSÃO OU CANCELAMENTO DE
APOIOS PROMETIDOS NA MESA REDONDA DE BRUXELAS
Vários países e organizações que em
Bruxelas se disponibilizaram a financiar o Plano Estratégico e Operacional
Terra Ranka começam a dar sinais de agastamento perante a situação de incerteza
que o país vive. Por outro lado, não se pode ignorar que Terra Ranka teve um
promotor e a esse em grande parte se associa a relação de credibilidade e
confiança entre beneficiário e doador. Será normal aceitar que alguém ponha
tudo em causa por razões particulares e quase pessoais? Será normal que as
estradas do Sul se mantenham intransitáveis e em terra batida nos próximos
anos? Será aceitável que as comemorações do 24 de Setembro continuem sem
definição? E as obras prometidas de requalificação para os pôlos de
desenvolvimento urbano?
5. RISCO DE NÃO CUMPRIMENTO DE ACORDOS COM
OS NOSSOS PARCEIROS E DE PERDAS DE OUTRAS PROMESSAS DE FINANCIAMENTO
A situação actual do país está a colocar
também em risco o cumprimento dos acordos com os nossos principais parceiros de
desenvolvimento, nomeadamente o FMI e a União Europeia. Além disso, um
importante apoio adicional do Banco mundial à Guiné-Bissau denominado
“Turn-around facility”, no valor de 20 milhões de dólares por ano, no decurso
dos próximos três anos, está em risco, bem como outras perspectivas de
financiamento. Com a queda do governo e a prevalecente instabilidade
governativa, o país terá desperdiçado importantes recursos necessários ao seu
desenvolvimento. Quem é que se responsabiliza por estas perdas e prejuízos?
Estas são somente algumas das muitas
implicações da actual situação de impasse político em que se encontra o país. A
Assembleia Nacional Popular, por via do último debate de urgência, apontou o
caminho, e os partidos políticos com representação parlamentar deram corpo ao
manifesto, exortando o Presidente da República a se alinhar com os desígnios e
aspirações do povo e a não subverter a verdade política ditada pelas urnas. O
PAIGC, vencedor das últimas eleições legislativas com maioria absoluta, tem a
responsabilidade de governar, e não existe alternativa a essa disposição.
Para tal, há que anular o decreto
presidencial n.º 6/2015 e convidar o PAIGC a apontar o Primeiro-ministro e a
formar um novo executivo.
A isto se pode associar um pacto de
estabilidade para clarificar as regras do jogo e dissipar eventuais dúvidas na
interpretação das leis aplicáveis.
Um braço de ferro que não encontre eco na
interpretação do povo nem noutra instância de soberania é uma aberração
desnecessária e prejudicial para a qual terão de ser apuradas responsabilidades
políticas, sociais e judiciais.
Bissau, 2 de Setembro de 2015
O Presidente do PAIGC