quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O sonho de Amílcar Cabral que aconteceu duas vezes, sem que este tivesse presenciado qualquer delas

Em 19 de Setembro de 1956 Amílcar Cabral fundava o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), juntamente com mais cinco camaradas, entre eles o seu irmão Luís Cabral, o partido que continha no seu nome a sua principal missão, lutar pela independência dos dois territórios, fosse de que forma fosse, quer pela via diplomática, quer pela militar.

Quase sete anos depois, a 23 de janeiro de 1963, a guerra colonial eclodia no território. Também em janeiro, no dia 20 de 1973 Amílcar Cabral o histórico político e líder nascido em Bafatá, cidade capital da região com o mesmo nome situada no centro da Guiné, era assassinado em Conacri, capital de uma das outras guinés, a Guine-Conacri.

Para ver imagens de arquivo e um documentário sobre a guerra na Guiné clique aqui»

Morria o visionário mas o seu sonho permanecia vivo. A luta armada intensifica-se ainda no ano da morte de Amílcal o PAIGC declara no dia 24 de setembro, nas matas de Madina Boé, uma das regiões já libertadas, de forma unilateral a sua independência do país.

Dá-se um período conturbado no plano internacional. Os países comunistas e africanos reconhecem a Guiné-Bissau como um estado de pleno direito a partir desse momento, os outros vão reconhecendo paulatinamente. A 2 de novembro na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) é apresentada uma moção para saudar a independência da Guiné. Resultado: 93 votos a favor, 30 abstenções e 7 votos contra. Entre os que votaram contra encontram-se Portugal, Brasil, Espanha, África do Sul, EUA, Grã-Bretanha e Grécia.

A guerra colonial, apesar de estar bem encaminhada para os independentistas, teimava em não acabar. O objetivo adivinhava-se próximo, mas ainda não concluído.

Até que em 25 de abril de 1974 se dá a revolução dos cravos em Portugal, a potência que colonizava o território guineense. Um dos objetivos dos capitães de abril era devolver a liberdade a todas as colónias e a Guiné, fruto de tudo o que já tinha alcançado teria, necessária e logicamente de ser a primeira.

No dia 10 de setembro desse ano Portugal reconhecia a Guiné-Bissau como um estado independente. A primeira das colónias ultramarinas portugueses a ter tal estatuto. O sonho de Amílcar Cabral assumia finalmente forma.

Em novembro desse ano o seu irmão, camarada e cofundador do PAIGC, Luís Cabral, encabeçava a comitiva guineense na transmissão oficial de poderes, para o novo governo da Guiné-Bissau, entregue ao seu partido, que desde então, não mais deixou de o ser.


//conexaolusofona

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Comunicado do PAIGC - 2/Set/2015

PAIGC
Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde

GABINETE DO PRESIDENTE

COMUNICADO

Completam hoje vinte dias desde que o Senhor Presidente da República, contra o desejo e os apelos de todos os quadrantes da sociedade Guineense e da comunidade internacional, demitiu o Primeiro-ministro eleito pelo povo nas últimas eleições legislativas.

Tal como o PAIGC sublinhou na altura, este acto do Senhor Presidente da República foi politicamente descabido e perigoso e lançou o país numa verdadeira crise política e institucional com consequências imprevisíveis para toda a Nação Guineense. Ele representa o culminar de uma atitude de permanente aversão ao diálogo que tem caracterizado a actuação do Presidente da República e que o levou hoje a estar de costas voltadas com praticamente todas as instituições da República, incluindo o governo, a Assembleia Nacional Popular, o poder judicial, as organizações da sociedade civil e os poderes tradicionais.

O PAIGC, plenamente consciente das suas responsabilidades, alertou na altura para o risco de se conduzir o país à instabilidade e ao caos, seguro da inexistência de alternativa séria e credível à governação inclusiva que vinha exercendo com zelo e sentido patriótico.

Hoje, vinte e um dias depois da queda do governo, constata-se com preocupação que o Presidente da República não tem um rumo para o país. À falta de governo, o país está parado e, subvertendo os dispositivos constitucionais em matéria de competências dos órgãos de soberania, o Presidente da República decidiu exercer o papel do executivo, nomeadamente chamando representantes da comunidade internacional para discutir a forma de utilização dos fundos da mesa redonda, ou comprando botijas de oxigénio para o hospital Simão Mendes, como se viu nos últimos dias.

Todavia, as implicações desastrosas da exoneração do governo pelo Presidente da República não ficam por aqui. Para além dos evidentes riscos de instabilidade política e institucional e do aprofundamento das fragilidades do Estado, é importante trazer ao conhecimento da opinião pública alguns outros factos que nos parecem relevantes:

1. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Desde a tomada de posse do Primeiro-ministro, nomeado por decreto 6/2015, este tem ignorado de forma grosseira o princípio da continuidade do Estado, chamando a si todas as competências do Governo (em gestão até empossamento do próximo). Assim, para além da já conhecida medida de suspensão da Directora-Geral da Televisão e do Director-Geral da Radio Nacional, o Primeiro-ministro nomeado também tem sido o exclusivo ordenador de todas as despesas públicas. Se por um lado esta medida representa uma violação flagrante dos dispositivos legais e extravasam o âmbito das competências do Primeiro-ministro, configurando portanto um crime que deve merecer oportuna prossecução pelas instâncias judiciais, por outro lado, ela já está a ter repercussões negativas na gestão das finanças públicas, nomeadamente pela não reconciliação das contas públicas no final do mês de Agosto, no âmbito da elaboração da Posição Líquida do Tesouro, ou pelo não pagamento do serviço da dívida com o Banco Mundial devido ao cancelamento de operações de transferência para o exterior.

2. QUEDA DAS RECEITAS FISCAIS
A Guiné-Bissau nunca antes registara níveis de receitas fiscais equivalentes aos que se registaram em 2014 e agora em 2015. As receitas fiscais em 2014 aumentaram 60% em relação ao previsto e em finais de Julho de 2015, as receitas fiscais já tinham atingido o nível global de 2014. Esta dinâmica foi interrompida com a exoneração do Governo. No mês de Agosto passado, as receitas fiscais caíram a pique. Estima-se em cerca de 4 bilhões de CFAs as perdas de receitas desde a paragem do país. Alguém se responsabilizará? As escolas abrirão a tempo? Continuaremos a ter uma reserva financeira para a prevenção de endemias, nomeadamente da cólera e do ébola?

3. SITUAÇÃO ECONÓMICA
Contrariamente aos argumentos do Presidente da República, a evolução da situação económica do país é bastante encorajadora. Em matéria de crescimento económico, todos se recordarão que o PAIGC apresentou no seu programa de governação uma meta de 7% de taxa de crescimento a atingir no final da legislatura. Um objectivo que mais parecia uma miragem perante o ponto de partida de 0,3% em 2013. Se a taxa de 2,7% registada em 2014 já era animadora, a projeção de 4,7% para 2015 foi considerada muito ousada. Ora, dados mais recentes apontam que o crescimento económico em 2015 ultrapassará 5%, podendo mesmo atingir 7% ainda este ano. Se estes dados, que estão neste momento a ser analisados pelo FMI, se confirmarem, a questão que se coloca é óbvia: em que ficamos face às acusações do Presidente da República de mau desempenho económico e financeiro do governo? Quem será responsável pelo recuo desses indicadores? E, finalmente, se o crescimento económico é o único caminho que pode levar ao desenvolvimento, quem está contra o desenvolvimento do país?

4. RISCO DE SUSPENSÃO OU CANCELAMENTO DE APOIOS PROMETIDOS NA MESA REDONDA DE BRUXELAS
Vários países e organizações que em Bruxelas se disponibilizaram a financiar o Plano Estratégico e Operacional Terra Ranka começam a dar sinais de agastamento perante a situação de incerteza que o país vive. Por outro lado, não se pode ignorar que Terra Ranka teve um promotor e a esse em grande parte se associa a relação de credibilidade e confiança entre beneficiário e doador. Será normal aceitar que alguém ponha tudo em causa por razões particulares e quase pessoais? Será normal que as estradas do Sul se mantenham intransitáveis e em terra batida nos próximos anos? Será aceitável que as comemorações do 24 de Setembro continuem sem definição? E as obras prometidas de requalificação para os pôlos de desenvolvimento urbano?

5. RISCO DE NÃO CUMPRIMENTO DE ACORDOS COM OS NOSSOS PARCEIROS E DE PERDAS DE OUTRAS PROMESSAS DE FINANCIAMENTO
A situação actual do país está a colocar também em risco o cumprimento dos acordos com os nossos principais parceiros de desenvolvimento, nomeadamente o FMI e a União Europeia. Além disso, um importante apoio adicional do Banco mundial à Guiné-Bissau denominado “Turn-around facility”, no valor de 20 milhões de dólares por ano, no decurso dos próximos três anos, está em risco, bem como outras perspectivas de financiamento. Com a queda do governo e a prevalecente instabilidade governativa, o país terá desperdiçado importantes recursos necessários ao seu desenvolvimento. Quem é que se responsabiliza por estas perdas e prejuízos?

Estas são somente algumas das muitas implicações da actual situação de impasse político em que se encontra o país. A Assembleia Nacional Popular, por via do último debate de urgência, apontou o caminho, e os partidos políticos com representação parlamentar deram corpo ao manifesto, exortando o Presidente da República a se alinhar com os desígnios e aspirações do povo e a não subverter a verdade política ditada pelas urnas. O PAIGC, vencedor das últimas eleições legislativas com maioria absoluta, tem a responsabilidade de governar, e não existe alternativa a essa disposição.

Para tal, há que anular o decreto presidencial n.º 6/2015 e convidar o PAIGC a apontar o Primeiro-ministro e a formar um novo executivo.

A isto se pode associar um pacto de estabilidade para clarificar as regras do jogo e dissipar eventuais dúvidas na interpretação das leis aplicáveis.

Um braço de ferro que não encontre eco na interpretação do povo nem noutra instância de soberania é uma aberração desnecessária e prejudicial para a qual terão de ser apuradas responsabilidades políticas, sociais e judiciais.

Bissau, 2 de Setembro de 2015

O Presidente do PAIGC