terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Ricardo Salgado: "O leopardo quando morre deixa a sua pele. E um homem quando morre deixa a sua reputação"

“Desde já cumprimento o dr. Ricardo Espírito Santo Silva Salgado”. Foi assim que o presidente da comissão parlamentar de inquérito recebeu o ex-presidente do BES, revelando que este irá ler uma "longa intervenção", mais do que é habitual, "de mais de uma hora".

Salgado começou por lembrar que se remeteu ao silêncio durante mais de seis meses e que irá agora aproveitar para dar a sua versão dos factos. A frase inicial é simbólica: "O leopardo quando morre deixa a sua pele. E um homem quando morre deixa a sua reputação." O banqueiro referiu que o seu depoimento será longo e o produto de "um trabalho de profunda reflexão".

"A minha família e eu próprio fomos julgados na praça pública acusados de ter desviado centenas de milhões de euros, casas em Miami e castelos na Escócia. Tudo inverdades." O banqueiro admite que pode ter "tomado decisões erradas" e avança com a análise macroeconómica dos últimos anos, a crise financeira, desencadeada pela falência do Lehman Brothers, a crise da dívida pública, sem esquecer o papel prejudicial das agencias de rating na actividade de banca.

Para o banqueiro, a acção da troika em Portugal, que ignorou os sucessivos alertas da banca sobre os impactos das medidas de austeridade, revelou-se "uma oportunidade perdida" para o país.

Depois de enumerar os vários impactos da crise no BES salientou: "Sempre quisemos manter o BES em mãos portuguesas, senhores deputados." Daí "não termos recorrido à linha de recapitalização do Estado", uma decisão que não visou "evitar revelar segredos" ou "manobras". O BES e a ESFG (que controlava o BES) estavam sujeitos à supervisão do BdP, que mantinha ainda uma equipa em permanência no banco.

Eram 9h43 quando Ricardo Salgado mudou a agulha do seu discurso: "Falei até agora do que foi o percurso do grupo" e a partir daqui "irei apresentar a minha versão dos factos". "Vou ser factual" e "deixo as interpretações dos factos para vossas excelências".

"Nunca dei instruções para ocultação de contas"

A 13 de Dezembro, de 2013, o vice-governador [Pedro Duarte Neves] do BdP enviou uma carta Ricardo Salgado a exigir o integral reembolso do papel comercial da ESI (Espírito Santo Internacional) aos clientes de retalho do banco. Duarte Neves deu 18 dias para o GES resolver os seus problemas, um período considerado "inexequível". Recorde-se que a ESI tinha na altura passivo de 6000 milhões reportado em Novembro.

"A 5 de Dezembro de 2013 manifestamos ao BdP a não exequibilidade da exigência por três razões": "tempo para montar a operação" de saneamento, "degradação do valor patrimonial" dos activos; e custos. "E avisámos que uma das consequências da exigência" do BdP "era a imediata contaminação" da ESI ao grupo [BES] dentro e fora de Portugal. "E a 10 de Dezembro avançámos com uma proposta de saneamento que não foi viável."

Para Salgado havia um quadro mediático de dúvida sobre a viabilidade do GES. Mesmo assim foi adoptado um plano de reestruturação: "Encarámos com dificuldades a sua superação [dos problemas] e adoptámos a resposta adequada": aumentar o capital do BES e o da Rioforte; acelerar as vendas na área não financeira e reembolsar o papel comercial.

Nos primeiros meses do ano, Carlos Costa, governador do BdP, iniciou "de forma vaga e imprecisa" uma pressão para a saída da gestão do BES, liderada por Salgado, o que se traduziu "mais em notícias de jornal do que por indicações precisas". “O governador disse -me que queria que fosse eu próprio a liderar a governance do BES" e que a mudança se realizasse antes do aumento de capital do BES de Maio e Junho de 2014, uma solução que Salgado aconselhou a não se verificar por pôr em risco a operação.

Já a 7 de Novembro de 2013, Salgado diz que revelou a sua disponibilidade para deixar a liderança, intenção que voltou reafirmar a 7 de Abril de 2014, mas alertou para os riscos de se verificar antes do aumento de capital do BES de mil milhões. Opinião que fez chegar por carta ao vice-governador do BdP e ao chefe do departamento de supervisão do BdP. Do mesmo modo, Salgado dirigiu cartas ao Presidente da República, ao primeiro-ministro "que a devolveu", e à ministra das Finanças.

Já na parte de perguntas e respostas, Ricardo Salgado falou dos problemas da área não financeira do grupo. “O GES está há 40 anos no Luxemburgo e nunca tivemos qualquer problema com as nossas sociedades luxemburguesas. E este problema que veio a acontecer [suposta manipulação e ocultação de contas no GES em 1200 milhões] foi descoberto no final em Novembro no momento do Etric". "Se houvesse intenção de fraude não teria sido o BES e o GES a fornecer todos os dados [passivo da ESI detectado em Novembro de 2013 de 6000 milhões] para se detectar" as deficiências." E "fomos logo ao BdP" revelar os problemas na área não financeira do GES.


"Posso dizer que não dei instruções ao dr. Machado da Cruz [o contabilista do GES] para ocultação de contas" da ESI. "E não o conhecia."com publico

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