“Desde já cumprimento o dr. Ricardo
Espírito Santo Silva Salgado”. Foi assim que o presidente da comissão parlamentar
de inquérito recebeu o ex-presidente do BES, revelando que este irá ler uma
"longa intervenção", mais do que é habitual, "de mais de uma
hora".
Salgado começou por lembrar que se
remeteu ao silêncio durante mais de seis meses e que irá agora aproveitar para
dar a sua versão dos factos. A frase inicial é simbólica: "O leopardo
quando morre deixa a sua pele. E um homem quando morre deixa a sua
reputação." O banqueiro referiu que o seu depoimento será longo e o
produto de "um trabalho de profunda reflexão".
"A minha família e eu próprio fomos
julgados na praça pública acusados de ter desviado centenas de milhões de
euros, casas em Miami e castelos na Escócia. Tudo inverdades." O banqueiro
admite que pode ter "tomado decisões erradas" e avança com a análise
macroeconómica dos últimos anos, a crise financeira, desencadeada pela falência
do Lehman Brothers, a crise da dívida pública, sem esquecer o papel prejudicial
das agencias de rating na actividade de banca.
Para o banqueiro, a acção da troika em
Portugal, que ignorou os sucessivos alertas da banca sobre os impactos das
medidas de austeridade, revelou-se "uma oportunidade perdida" para o
país.
Depois de enumerar os vários impactos da
crise no BES salientou: "Sempre quisemos manter o BES em mãos portuguesas,
senhores deputados." Daí "não termos recorrido à linha de
recapitalização do Estado", uma decisão que não visou "evitar revelar
segredos" ou "manobras". O BES e a ESFG (que controlava o BES)
estavam sujeitos à supervisão do BdP, que mantinha ainda uma equipa em
permanência no banco.
Eram 9h43 quando Ricardo Salgado mudou a
agulha do seu discurso: "Falei até agora do que foi o percurso do
grupo" e a partir daqui "irei apresentar a minha versão dos
factos". "Vou ser factual" e "deixo as interpretações dos
factos para vossas excelências".
"Nunca dei instruções para
ocultação de contas"
A 13 de Dezembro, de 2013, o
vice-governador [Pedro Duarte Neves] do BdP enviou uma carta Ricardo Salgado a
exigir o integral reembolso do papel comercial da ESI (Espírito Santo
Internacional) aos clientes de retalho do banco. Duarte Neves deu 18 dias para
o GES resolver os seus problemas, um período considerado
"inexequível". Recorde-se que a ESI tinha na altura passivo de 6000
milhões reportado em Novembro.
"A 5 de Dezembro de 2013
manifestamos ao BdP a não exequibilidade da exigência por três razões":
"tempo para montar a operação" de saneamento, "degradação do
valor patrimonial" dos activos; e custos. "E avisámos que uma das
consequências da exigência" do BdP "era a imediata contaminação"
da ESI ao grupo [BES] dentro e fora de Portugal. "E a 10 de Dezembro
avançámos com uma proposta de saneamento que não foi viável."
Para Salgado havia um quadro mediático
de dúvida sobre a viabilidade do GES. Mesmo assim foi adoptado um plano de
reestruturação: "Encarámos com dificuldades a sua superação [dos
problemas] e adoptámos a resposta adequada": aumentar o capital do BES e o
da Rioforte; acelerar as vendas na área não financeira e reembolsar o papel
comercial.
Nos primeiros meses do ano, Carlos
Costa, governador do BdP, iniciou "de forma vaga e imprecisa" uma pressão
para a saída da gestão do BES, liderada por Salgado, o que se traduziu
"mais em notícias de jornal do que por indicações precisas". “O
governador disse -me que queria que fosse eu próprio a liderar a governance do
BES" e que a mudança se realizasse antes do aumento de capital do BES de
Maio e Junho de 2014, uma solução que Salgado aconselhou a não se verificar por
pôr em risco a operação.
Já a 7 de Novembro de 2013, Salgado diz
que revelou a sua disponibilidade para deixar a liderança, intenção que voltou
reafirmar a 7 de Abril de 2014, mas alertou para os riscos de se verificar
antes do aumento de capital do BES de mil milhões. Opinião que fez chegar por
carta ao vice-governador do BdP e ao chefe do departamento de supervisão do
BdP. Do mesmo modo, Salgado dirigiu cartas ao Presidente da República, ao
primeiro-ministro "que a devolveu", e à ministra das Finanças.
Já na parte de perguntas e respostas,
Ricardo Salgado falou dos problemas da área não financeira do grupo. “O GES
está há 40 anos no Luxemburgo e nunca tivemos qualquer problema com as nossas
sociedades luxemburguesas. E este problema que veio a acontecer [suposta
manipulação e ocultação de contas no GES em 1200 milhões] foi descoberto no
final em Novembro no momento do Etric". "Se houvesse intenção de
fraude não teria sido o BES e o GES a fornecer todos os dados [passivo da ESI
detectado em Novembro de 2013 de 6000 milhões] para se detectar" as
deficiências." E "fomos logo ao BdP" revelar os problemas na
área não financeira do GES.
"Posso dizer que não dei instruções
ao dr. Machado da Cruz [o contabilista do GES] para ocultação de contas"
da ESI. "E não o conhecia."com publico
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